Teste de tilt: Local, Material, Preparação do Doente e Protocolo

 

Emília Teixeira*, João Freitas **

* Enfermeira do Centro de Estudos da Função Autonómica

** Assistente Hospitalar de Cardiologia do Centro de Estudos da Função Autonómica

 

LOCAL

É de importância fundamental considerar as condições em que se realiza o teste de tilt pois essas condições podem alterar os resultados do teste. É um teste que necessita da "passividade" total do doente e o evitar de qualquer estímulo externo que possa afectar o sistema nervoso autónomo desse doente. Na práctica, os testes devem ser explicados, prévia e claramente, ao doente e executados numa sala aquecida a temperatura constante, confortável, acústicamente isolada e sem incidência de luz directa. Deve-se evitar conversar com o doente bem como a existência de outros ruídos externos, para não existir estimulação simpática. Em resumo o ambiente deve ser acolhedor e não ameaçador.

Na maior parte dos estudos publicados e no nosso centro, o teste é realizado de manhã após o jejum nocturno. Esta recomendação é justificada pela existência de hipotensão pós-prandeal e cardio-aceleração na posição de ortostatismo sobretudo nos doentes com idade superior a 60 anos. Os mecanismos fisiopatológicos supostamente existentes neste tipo de hipotensão são o sequestro de sangue nos vasos esplânicos e a secreção irregular de insulina nos doentes idosos. Todos os fármacos ou outo tipo de intervenção (por exemplo café ou tabaco) que possam afectar o sistema nervoso autónomo ou o volume sanguíneo devem ser retirados préviamente à realização do teste.

 

EQUIPAMENTO

Mesa Basculante

Uma mesa basculante (Figura 1) é necessária para a execução do teste de maneira a que seja inclinada com uma angulação pré-defenida manualmente ou com a utilização de um motor eléctrico. A mesa é guarnecida com um suporte para os pés, de modo que o doente se mantenha em ortostatismo sem qualquer desconforto. Qualquer contração muscular activa leva a mudanças importantes na pressão venosa, retorno venoso e frequência cardíaca(1). Devem existir 2 cintos reguláveis que passem pela parte inferior do peito e pela parte média das coxas, para prevenção de eventuais quedas se os doentes ficarem inconscientes durante o teste. O mecanismo deve estar calibrado para que a cama varie até uma posição de 60-90º, em que a transição de supino para ortostatismo e vice-versa seja feita rápidamente, cerca de 10 a 15 segundos, para evitar assistolias prolongadas. A mesa pode ser operada manualmente ou de preferência com motor eléctrico.

Figura 1

 

Monitorização Electrocardiográfica

O sinal electrocardiográfico é monitorizado continuamente durante o teste, incluindo a fase sincopal.

O sinal é obtido após preparação e limpeza da pele, de modo que a sua impedância seja sempre inferior a 5 kW . Escolhe-se uma derivação do tipo "CM5" para permitir o registo de complexos QRS de grande amplitude de forma a diminuir os erros de reconhecimento de picos da onda R (2).

Esta metodologia permite que a existência de artefactos ou erros de reconhecimento de picos sejam extremamente raros. O ritmo de amostragem usado (300Hz) permite cálculos dos intervalos RR com erro inferior (acuidade) a 3,3 milisegundos (3). Os dados são armazenados em computador PC-IBM compatível, em ficheiros do tipo binário, para posterior cálculo dos diversos parâmetros analisados.

 

Monitorização da pressão arterial

Vários métodos se utilizam na monitorização da pressão arterial mas apenas os que o fazem de um modo contínuo, batimento a batimento, se devem escolher. Existe o método invasivo intra-arterial que é muito agressivo e que frequentemente leva a resultados falsos positivos. O outro método que é usado no nosso centro, utiliza o Finapres. A pressão arterial digital é obtida não-invasivamente, por um aparelho comercial Finapres (Ohmeda, model 2300, Englewood, Colorado), que se baseia na técnica de pletismografia. Nesta técnica, uma dedeira pletismográfica é colocada á volta da falange média do 3º dedo, e a pressão desta dedeira é modulada de maneira a que a pressão transmural se mantenha efectivamente a zero. Desta maneira, as variações da pressão da dedeira acompanham as variações da pressão arterial do dedo e são geradas, continuamente, ondas de pressão com excelente correlação com os valores da pressão intra-arterial (4).

Figura 2

A curva de pressão a partir da saída analógica do Finapres (Figura 2) e o electrocardiograma são transmitidos em tempo real e digitalizados, com um ritmo de amostragem de 300 Hz por canal, com um conversor analógico-digital comercial (Dataq, modelo DI-420), e armazenados em computador para posterior processamento e análise (Figura 3).

Figura 3

 

Equipamento de Resuscitação

Apesar de não existirem na literatura relatos sobre casos fatais na realização deste teste, deve existir na sala onde se realiza o teste de tilt equipamento necessário para reanimação, uma vez que não raramente o teste induz assistolia prolongada (5) ou a indução de pro-arritmia provocada pela utilização de fármacos na indução de síncope como a infusão de isoprenalina.

 

PREPARAÇÃO DO DOENTE

Todo o tipo de estímulos externos se devem evitar. É conveniente que, pelo menos com 15 min. de antecedência, se estabeleça uma linha intravenosa, com soluto salino, para colheita de amostras sanguíneas, infusão de fármacos como a isoprenalina para indução de síncope, e de rápidamente se ministrar fármacos na existência de assistolia ou vasodepressão não reversível com o retorno da posição para decúbito dorsal.

Logo que existam sintomas pré-sincopais o teste deve terminar com o retorno imediato à posição horizontal inicial.

Apesar do teste de tilt necessitar de condições estrictas de silêncio e tranquilidade para prevenção de estimulação externa do sistema nervoso autónomo, na práctica é um teste simples e fácil de realizar sem o aparecimento de complicações importantes.

 

SUPERVISÃO MÉDICA

Uma enfermeira ou um técnico de cardiopneumografia com experiência em procedimentos de laboratório, devem estar sempre em vigilância na sala durante todo o procedimento. A necessidade de que um médico (interno ou especialista) esteja presente durante todo o teste é discutível. Parece que pelos trabalhos publicados e pela nossa experiência que o risco de complicações do teste é baixo. Contudo, assistolias prolongadas e hipotensão severa que necessitaram de reanimação já foram descritas bem como na nossa experiência (5). Consequentemente é prudente que exista um médico ou em presença fisica no laboratório ou suficientemente próximo para que possa imediatamente estar disponível na eventualidade de surgir um problema mais grave. Em conclusão entende-se que um laboratório que execute testes de tilt, tenha supervisão médica e esteja equipado com material de ressuscitação.

 

PROTOCOLO DO TESTE DE TILT

A duração da posição ortostática é provavelmente a característica determinante na sensibilidade e especificidade do teste. Períodos de 10 a 60 minutos tem sido usados por vários investigadores (6,7). O nosso laboratório utiliza presentemente uma duração sem indução farmacológica, isto é sem utilização de fármacos provocativos, de 45 minutos a uma inclinação de 70º (8). Após este procedimento, se o teste é negativo, repete-se por períodos de 10 min. com infusão escalonada de isoprenalina até 3m gr/min. O efeito fisiológico do stress ortostático é comparavel para angulações superiores a 60º. Utilização de angulações inferiores não provoca stress ortostático suficiente e poderá levar com frequência á obtenção de resultados falso-negativos(9).

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Smith J, Porth C. Posture and the circulation. The age effect. Exp Geront 1991; 26:141-162
  2. Costa O, Lago P, Rocha AP, Freitas J, Puig J, Carvalho M, Falcão de Freitas A Circadian variation of heart rate variability: a comparative study between short and long term spectral analysis J Electrocardiol 1994; 27: 251-254.
  3. Freitas J, Lago P, Puig J, Carvalho M, Costa O, Falcão de Freitas A. Circadian heart rate variability rhythm in shift workers. J. Electrocardiol 1997; 30: 39-44.
  4. Freitas J. Influência do reflexo baroreceptor arterial e da modulação do sistema nervoso autónomo na regulação da homeostasia cardiovascular". 1998 Tese de Mestrado em Medicina Desportiva. Faculdade de Medicina do Porto.
  5. Freitas J, Puig J, Campos J, Monteiro F, Garcia JM, Carvalho M, Costa O, Cunha DL, Falcão de Freitas A, Cerqueira-Gomes M. Síncope vasovagal maligna: um caso de assistolia prolongada induzida pelo teste de "tilt" e agravada pela terapêutica com bloqueador beta. Rev. Port. Cardiol., 1993;12:745-751.
  6. Kenny RA, Ingram A, Bayliss J, Sutton R. Head-up tilt: A useful test for investigating unexplained syncope. Lancet 1986; 1: 1352-1357.
  7. Grubb BP, Wolfe D, Temesy-Armos P. Reproducibility of head-up tilt-table tests results in patients with syncope. PACE 1992; 15: 1477-1481.
  8. Freitas J, Carvalho M, Costa O, Falcão de Freitas A. High altitude-related neurocardiogenic syncope Am J Cardiol, 1996; 77:1021
  9. Chen XC, Chen MY, Remole S. Reproducibility of head-up tilt testing for eliciting susceptibility to neurally mediated syncope in patients without structural heart disease. Am J Cardiol 1992; 69:775.

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